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É uma fria noite de primavera no oceano Atlântico enquanto o RMS Titanic segue a todo vapor em direção a Nova York com oito de seus dez decks repletos de passageiros de distintas classes sociais. Em uma cabine particularmente elaborada, Lady Duff-Gordon é acordada por um sinistro som. A partir daí, a provação que se segue manchará para sempre sua reputação - e colocará seu comportamento no centro das atenções do mundo todo por meses.
Os Duff-Gordons
Hoje, existem alguns nomes que ficarão para sempre associados à infeliz viagem inaugural do Titanic, como, por exemplo, John Jacob Astor, o capitão Edward John Smith e a "inafundável" Molly Brown.
No entanto, foi a renomada estilista Lady Duff-Gordon e seu marido, Cosmo, que dominaram as manchetes logo após o desastre.
Algumas questões
Como mulheres e crianças se amontoaram em botes salva-vidas - e os homens bravamente afundaram com o transatlântico -, as ações de alguns dos passageiros mais ricos do Titanic acabaram sendo questionadas.
Porém, o que realmente aconteceu nas primeiras horas de 15 de abril de 1912? Os Duff-Gordons de fato eram culpados das acusações que foram lançadas a eles?
Lucy Christiana Sutherland
Nascida em junho de 1863 em Londres, Inglaterra, Lucy Christiana Sutherland, mais tarde Lady Duff-Gordon, teve um início de vida um tanto agitado - embora nada pudesse tê-la preparado para o drama que encontraria depois.
Infelizmente, seu pai morreu quando ela era apenas uma criança, levando sua mãe a cruzar o Atlântico e se estabelecer na província canadense de Ontário.
Um sinistro presságio
Em 1871, a mãe de Lucy casou-se novamente e ela e sua irmã Elinor voltaram para a Europa, ficando dessa vez em Jersey, nas Ilhas do Canal.
Após alguns anos, um navio no qual as meninas estavam viajando encalhou no Canal da Mancha. Apesar de elas terem sobrevivido, talvez aquele fosse um presságio do que estava por vir.
Primeiro casamento
Depois de um péssimo casamento marcado por uma série de casos, Lucy separou-se de seu primeiro marido, James Stuart Wallace, em 1890. Nessa época, contudo, ela tinha uma filha, Esme, e precisava encontrar uma forma de sustentar as duas.
Acabou que a mulher se voltou para algo que havia sido uma paixão durante a maior parte de sua vida.
A Maison Lucile
Pois é, Lucy era uma costureira talentosa e atenta às últimas tendências da moda. Não é à toa que em 1893 ela abriu sua própria loja, a Maison Lucile, no West End de Londres.
Em pouco tempo, ela já estava desenhando roupas para os altos escalões da sociedade britânica - e chamando a atenção de um dos solteiros mais cobiçados da Grã-Bretanha.
Sir Cosmo Duff-Gordon
Desportista descendente da aristocracia escocesa, Cosmo Duff-Gordon havia herdado recentemente o título de 5º Baronete de Halkin. Nisso, a divorciada Lucy não era exatamente considerada um par ideal.
O casal, entretanto, desafiou as convenções e casou-se em 1900. Naquele período, a carreira da autodenominada Madame Lucile estava realmente decolando.
Aclamação internacional
Enquanto seu marido se esquivava dos holofotes, Lucy prosperava em seu novo papel como uma figura da alta sociedade. Nesse meio tempo, seu negócio ia de vento em popa.
Ela abriu uma loja em Nova York em 1910 e, no ano seguinte, outra em Paris. Aliás, foi trabalhando em seu ateliê na capital francesa que recebeu o telegrama que mudaria sua vida.
Chamado para Nova York
Em 7 de abril de 1912, Lucy foi contatada pelos gerentes de sua loja nos Estados Unidos. Ao que parece, sua presença era urgentemente necessária para supervisionar os negócios em Nova York.
Ansiosa para chegar lá o mais rápido possível, ela dirigiu-se aos escritórios da White Star Line a fim de reservar uma passagem pelo Atlântico.
Viagem inaugural
De acordo com sua autobiografia Discretions and Indiscretions, publicada em 1932, Lucy encontrava-se apreensiva com a jornada desde o início.
Ela escreveu: "Até hoje não consigo explicar minha relutância quando o funcionário dos escritórios da White Star disse: 'As únicas vagas que temos são no Titanic, o qual fará sua viagem inaugural'".
O Titanic
Com mais de 268 metros de comprimento, o Titanic era o maior transatlântico do mundo na época - e o orgulho da White Star Line.
Por dentro, a embarcação estava equipada com todos os luxos imagináveis, desde uma piscina e banhos turcos a luxuosos salões e um café com tema parisiense. Enquanto isso, os jornais o consideravam inafundável graças a um inteligente sistema de compartimentos estanques.
Um pressentimento
Dessa maneira, Lucy deveria só aproveitar a chance de viajar no Titanic, certo? Afinal, havia muitos ilustres passageiros já inscritos para a viagem inaugural e ela certamente estaria entre amigos.
Mesmo com todas as garantias de seu marido, todavia, Lucy sentia-se inexplicavelmente nervosa com a perspectiva de embarcar naquele grande navio.
Sob um pseudônimo
Eventualmente, Sir Cosmo concordou em acompanhar sua esposa no Titanic.
No entanto, ao contrário de alguns grandes nomes que optaram por viajar naquele transatlântico, o casal comprou suas passagens sob um pseudônimo - provavelmente na intenção de escapar da atenção da imprensa. Infelizmente, porém, eles enfrentariam mais escrutínio do que nunca.
Os Morgans
Como Sr. e Sra. Morgan, os Duff-Gordons embarcaram no Titanic acompanhados pela amiga e secretária de Lucy, Laura Francatelli, conhecida como Franks. Será que a escolha do pseudônimo deles foi uma provocação a J. P. Morgan, o então proprietário da White Star Line?
Conforme os rumores da alta sociedade, ele tinha abandonado a viagem inaugural em favor de um ilícito encontro com sua amante no sul da França.
Puro luxo
Qualquer que seja a inspiração por trás daquele pseudônimo, os Duff-Gordons não ficaram no anonimato por muito tempo. Afinal, eles logo foram reconhecidos por diversas pessoas a bordo.
De todo modo, o casal pareceu gostar da travessia a princípio, tendo Lucy particularmente impressionada com os padrões do Titanic.
Morangos
"Como todo mundo, fiquei encantada com a beleza da embarcação", escreveu Lucy. "Nunca tinha sequer sonhado em viajar com tanto luxo. Lembro-me de ter ficado infantilmente satisfeita ao encontrar morangos na minha mesa de café da manhã.
'Extravagantes morangos em abril e no meio do oceano', eu disse ao meu marido. 'É como se estivesse no Ritz'".
Cabines da primeira classe
Apesar de suas dúvidas iniciais a respeito da viagem, ao que tudo indica, até mesmo a cabine de Lucy foi fonte de grande conforto.
Equipado com um aquecedor elétrico e decorado com cortinas e almofadas cor-de-rosa, aquele espaço serviu como um aconchegante refúgio em meio ao ar frequentemente frio do Atlântico. Enquanto isso, Cosmo ocupou uma separada cabine do outro lado do corredor.
Distantes
Esse fato, contudo, nos leva a algumas questões: Será que os Duff-Gordons estavam no meio de alguma discussão que os deixou incapazes de dividir um quarto? Ou havia outro motivo para esse estranho arranjo?
Mais de um século depois, a resposta para esse enigma permanece desconhecida. Entretanto, não faltam rumores em torno desse casal aparentemente distante.
Talvez um recorde
Por quatro dias, o Titanic deslizou firmemente em direção a Nova York, estabelecendo um ritmo que alguns especularam que poderia ser um novo recorde. Na manhã de 14 de abril, inclusive, não havia nada que indicasse o problema que estava por vir.
Segundo certos relatos, o mar encontrava-se como vidro e a temperatura caía à medida que o dia avançava.
Muito frio
"Nunca senti tanto frio", Lucy lembra de ter dito ao marido enquanto passeavam pelos decks. "Deve ter icebergs por aí". Todavia, parece que Cosmo não levou sua preocupação a sério.
Devido ao frio, Lady Duff-Gordon dirigiu-se para sua cabine com Francatelli e recusou-se a trocar suas roupas quentes para o jantar.
Um terrível barulho
Após uma animada noite no salão de jantar, aquele pequeno grupo se retirou.
Enquanto Lucy e Cosmo foram para suas cabines separadas no convés de passeio, Francatelli voltou para sua própria cabine bem abaixo no Convés E. No entanto, eles mal tinham dormido quando um terrível barulho atravessou o navio.
Os primeiros sinais de perigo
Sozinha em sua cabine, Lucy foi acordada por um estranho e estrondoso som, tanto que correu para alertar o marido sobre a situação. Naquele momento, ela lembrou que havia várias outras pessoas circulando pelo deck.
Os oficiais, porém, garantiram que não tinha nada com que se preocupar e a maioria voltou para a cama.
Fora do convés
O problema é que logo ficou claro que havia muito com o que se preocupar. Alertada pelo som dos motores da embarcação parando, Lucy despertou Cosmo mais uma vez e implorou para que ele descobrisse o que estava ocorrendo.
Relutante, o homem foi - e voltou com uma séria expressão. Desse jeito, os Duff-Gordons vestiram suas roupas mais quentes e saíram para encontrar seu destino.
O iceberg
Mesmo agora, mais de 100 anos depois do desastre, o que aconteceu a seguir continua sendo debatido. Bem, o que sabemos é que o Titanic atingiu um iceberg e isso abriu um grande corte em seu casco.
Embora o transatlântico pudesse flutuar com quatro de seus compartimentos inundados, a água acabou rompendo seis deles.
Destino selado
Para aqueles que entendiam do assunto, era uma certeza que o Titanic afundaria. Contudo, para os passageiros que vagavam pelos decks, demorou um pouco para cair a ficha.
Mesmo quando o capitão Smith deu a ordem para lançar os botes salva-vidas, muitos relutaram em deixar o transatlântico.
Lançamento dos botes salva-vidas
De acordo com a autobiografia de Lucy - e o testemunho que ela deu no inquérito oficial -, a maioria dos botes salva-vidas já havia sido despachada quando ela e o marido chegaram.
Entretanto, assim que começou a se desesperar, Lucy contou que eles avistaram outra embarcação vazia ainda suspensa por cordas.
Bote salva-vidas nº 1
Ao que parece, os Duff-Gordons, junto com Francatelli, foram conduzidos a esse barco com mais dois passageiros estadunidenses que estavam nas proximidades.
Apesar das ordens do capitão de "mulheres e crianças primeiro", a embarcação foi lançada ao mar com três passageiros do sexo masculino e uma tripulação de sete homens a bordo.
Uma terrível tragédia
O mais surpreendente é que o barco contou com um total de 12 passageiros sendo que ele foi construído para transportar 40. Para piorar a situação, o Titanic possuía poucos botes salva-vidas.
Das 2.240 pessoas a bordo, somente cerca de 700 conseguiram escapar do naufrágio. Até hoje, o Titanic segue sendo um dos piores e mais infames desastres marítimos da história.
O Carpathia
Eventualmente, o bote salva-vidas dos Duff-Gordons foi apanhado pelo Carpathia, um transatlântico da Cunard Line que navegou a todo vapor durante a noite para chegar ao Titanic.
Em 18 de abril, um dia após sua chegada programada, os passageiros sobreviventes alcançaram Nova York. Lá, eles foram recebidos por uma enorme multidão que aguardava desesperadamente por notícias de seus entes queridos.
Nova York
Todavia, não eram apenas amigos e familiares que esperavam ansiosamente pelo Carpathia. Em Nova York, a imprensa mundial reuniu-se no maior desespero para cobrir aquela chocante tragédia.
O problema é que, nos dias e semanas que se seguiram, as linhas entre fato e ficção acabaram se confundindo.
Rumores
Quando se soube que muitas mulheres e crianças de segunda e terceira classes morreram - enquanto 57 homens da primeira classe foram salvos - o público se voltou contra os sobreviventes. Até mesmo os homens que afundaram com o navio foram inicialmente manchados pelos relatos da mídia.
Nas primeiras histórias, visto que a cena a bordo do Titanic deu o que falar, tanto John Jacob Astor quanto o capitão Smith chegaram a ser acusados de comportamento descortês.
Sobreviventes do sexo masculino
Hoje em dia, costuma-se admitir por aí que ambos os homens tiveram mortes heroicas.
No entanto, e os passageiros do sexo masculino que de alguma forma conseguiram entrar em um bote salva-vidas e ignoraram o fato da embarcação ainda contar com mulheres e crianças a bordo? Para muitos deles, sua sobrevivência tornou-se um estigma que os perseguiria pelo resto de suas vidas.
O 'Barco do Milionário'
Nem mesmo as sobreviventes do sexo feminino estiveram a salvo da ira do jornalismo sensacionalista, conhecido na época como "imprensa amarela". Lucy descobriu isso na própria pele.
Poucos dias depois do naufrágio, começaram a surgir histórias sobre o chamado "Barco do Milionário" - uma embarcação de emergência comandada por alguns dos passageiros mais ricos do Titanic.
Suborno
Não precisou de muito para Lucy perceber que os boatos diziam respeito ao seu próprio bote salva-vidas - e essa não era a pior parte.
Conforme as histórias que circulavam, os Duff-Gordons imploraram aos tripulantes que não voltassem ao naufrágio e procurassem sobreviventes, já que estavam com medo de que seu barco ficasse sobrecarregado. As pessoas chegaram a comentar que Cosmo até os subornou com cinco dólares cada a fim de garantir que seu pedido fosse atendido.
Um gesto de boa vontade
Segundo os Duff-Gordons, essas alegações não passavam de mentiras para entreter os leitores da imprensa amarela. Tanto em sua autobiografia quanto em seu testemunho oficial, Lucy negou ter dito aos tripulantes que não voltassem ao Titanic.
Já o suposto suborno, ela revelou que foi um caridoso gesto de Cosmo no intuito de ajudar os tripulantes a se reerguerem após o desastre.
Escândalo
As negações dos Duff-Gordons, porém, fizeram pouco para impedir que as escandalosas histórias se espalhassem. Para piorar a situação, um comentário que Lucy fez durante o naufrágio também chegou à imprensa amarela.
Ao que tudo indica, enquanto observava o Titanic desaparecer no oceano, ela disse a Francatelli: "Lá se vai sua linda camisola".
Retorno a Londres
De frente a uma tragédia daquelas, esse comentário deve ter parecido absurdamente materialista, tanto que afundou ainda mais a imagem dos Duff-Gordons aos olhos do público.
Não é à toa que, quando o casal chegou a Londres a bordo do Lusitania, eles foram recebidos com cartazes e manchetes condenando seu comportamento no Titanic.
Investigação
Em 17 de maio de 1912, Cosmo prestou depoimento no inquérito oficial sobre o desastre e, três dias depois, foi a vez de Lucy.
Diante de uma plateia de ansiosos espectadores, eles refutaram a alegação de que haviam usado suborno para impedir que a tripulação voltasse ao naufrágio. Acabou que, no final, o tribunal concordou e exonerou aquele casal de qualquer irregularidade.
Nunca mais foram os mesmos
Para Lucy, isso colocou um fim naquela provação toda. Sua carreira prosperou e ainda hoje seus trajes podem ser vistos em museus ao redor do mundo.
Cosmo, contudo, nunca mais foi o mesmo devido a sua reputação manchada para sempre pelos rumores da imprensa amarela. Três anos após o naufrágio, os Duff-Gordons separaram-se e nunca mais se reconciliaram.